Marina

Quem conheceu Marina Harkot lembra do seu jeito carismático, do talento que ela tinha para conectar pessoas, ideias e lugares. Marina costurava as ruas com sua bicicleta e sonhava com uma cidade para todas as pessoas. Como ciclista e habitante da cidade de São Paulo, a bicicleta era o meio de Marina se relacionar com a metrópole, de vivê-la e experienciá-la com liberdade, rompendo com estereótipos e desafiando as amarras que impedem as pessoas de ocuparem as ruas.

Marina investigou as relações entre gênero e a mobilidade ativa, em especial a relação das mulheres com a bicicleta, desafiando os limites impostos a grupos minorizados no espaço citadino. Ela fazia doutorado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP), e sua pesquisa buscava ampliar o olhar para as fronteiras invisíveis da cidade. A partir de uma visão feminista e decolonial, Marina questionou a não neutralidade do planejamento urbano na formulação de políticas públicas, olhando para pessoas historicamente excluídas, relatando a maneira como essas pessoas experenciavam sua cidania.

No dia 07 de novembro de 2020, por volta das 23h30, Marina pedalava pela Av. Paulo VI, na zona oeste da capital paulista, quando foi selvagemente atropelada e morta por um motorista que fugiu sem prestar socorro. Ele virou réu em processo perante o Tribunal do Júri, acusado da prática de homicídio doloso qualificado por ter causado perigo comum, por ter fugido do local do sinistro para se eximir da responsabilidade do crime e por dirigir sob efeito de álcool. Ele responde em liberdade e o caso se arrasta há dois anos, sem julgamento do réu, prolongando a dor de familiares e pessoas que amavam Marina e que exigem justiça para o crime. A sensação de impunidade tem marcado esses e outros casos de sinistro de trânsito com vítimas graves e mortas no Brasil.

Marina Harkot deixou um legado que agora, depois de muita inspiração, conversas  e compartilhamentos sobre a falta que ela nos faz, tanto quanto as atividades que desenvolvia e partilhava, será levado à frente por muitas pessoas que estiveram ao seu lado, direta ou indiretamente, na busca pela transformação das cidades. Sua dissertação de mestrado, seu projeto de tese, seus artigos, ideias e sonhos continuam a inspirar pessoas que pesquisam o tema da mobilidade, da urbanidade, da bicicleta, de cidades menos desumanas inspiradas pelo feminismo e antirracismo. Elas seguem com a luta por uma cidade melhor e mais humana, luta que foi de Marina e de tantas outras pessoas! Vamos juntas e juntos percorrer, plantar e colher esse caminho.

Marina é semente! Marina vive! Pedale como Marina!