Observatório da Impunidade no Trânsito do Brasil

O Observatório da Impunidade no Trânsito no BrasilOITB – é uma iniciativa do movimento Pedale como Marina que tem como principal objetivo trazer luz à impunidade e à dificuldade na condenação dos responsáveis pela a violência no trânsito.

Hoje, no Brasil, três pessoas morrem por hora vítimas do trânsito. Mas não há estatísticas sobre a imensa impunidade no julgamento dos condutores. Os processos judiciais são extremamente complexos e morosos e, na maioria das vezes, terminam sem a punição adequada dos infratores.

São objetivos iniciais do Observatório:

  • Identificar as ações judiciais de atropelamentos envolvendo pedestres, ciclistas;
  • Monitorar e acompanhar as ações judiciais;
  • Elaborar estatísticas, mapas e infográficos a partir do registro e monitoramento das ações judiciais;
  • Fomentar e fortalecer a rede de apoio, incluindo familiares das vítimas, para acompanhamento dos passos legais;
  • Identificar e divulgar profissionais e advogados interessados em prestar auxílio aos familiares das vítimas de sinistros;
  • Criar área colaborativa para indução e estímulo, promoção, apoio e divulgação de pesquisas científicas por meio de monografias, dissertações, teses e publicação de artigos científicos a respeito do tema da mobilidade urbana, readequação da velocidade e a construção de vias mais seguras e amigáveis;
  • Promover encontros de ativistas, pessoas pesquisadoras e autoridades para a discussão de temas que envolvam a temática da violência no trânsito e soluções que possam criar cidades mais humanas;
  • Estimular e apoiar a produção de trabalhos artísticos nas suas diversas formas – vídeo, música, fotografia, pinturas, montagens, instalações, murais, entre outras – para disseminar a mensagem da necessidade de humanização do trânsito e das relações entre os seres vivos nos ambientes urbanos.
O caminho do processo de Raul Aragão

Estudante da UnB, Raul Aragão, 23 anos, morreu após ser atropelado, em 21 de outubro de 2017, por uma pessoa que conduzia seu carro a uma velocidade de 95 km/h, em uma área na qual a velocidade máxima permitida é de 60 km/h, em Brasília, DF. Veja abaixo o caminho do processo na Justiça e como os diversos recursos dificultam a resolução do caso:

21 de outubro de 2017

Data do sinistro com a morte de Raul Aragão.

9 de novembro de 2017

Distribuição do processo, contendo a denúncia, oferecida pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) contra Johann Homonnai (condutor do veículo), por homicídio culposo na direção de veículo automotor, nos termos do artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro.

23 de novembro de 2017

O Juiz da 8ª Vara Criminal de Brasília recebe a denúncia do MPDFT.

21 de março de 2018

O juiz profere a sentença, dando procedência à denúncia. Aplica a pena de dois anos de detenção, em regime aberto, substituindo-a por duas penas restritivas de direito. As penas restritivas de direitos são penas alternativas, que substituem as penas privativas de liberdade, podendo ser, segundo o art. 43 do Código Penal, uma prestação pecuniária, perda de bens e valores, prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana. A sentença reconheceu a tipificação do crime culposo, afirmando que “o acusado agiu com culpa (imprudência), pois desenvolvia velocidade excessiva e isso foi determinante para a colisão e a morte da vítima”. A assistência de acusação e a defesa recorreram ao Tribunal de Justiça (TJDFT). No recurso, a defesa sustentou ausência da culpabilidade do réu, ou seja, que não teria havido negligência, imprudência ou imperícia de sua parte.

Remetidos os autos do processo ao TJDFT, a Desembargadora Relatora converteu o feito em diligência, formulando quesito suplementar ao laudo pericial. Foi elaborado um novo laudo pelo Instituto de Criminalística, atestando que a causa do sinistro foi o excesso de velocidade do veículo conduzido pelo réu.

24 de outubro de 2019

Decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios manteve a sentença em todos os seus termos. A assistência de acusação (indicada pelos familiares de Raul) ingressou com “embargos de declaração”, que é um recurso no qual uma das partes de um processo judicial pede ao juiz (ou tribunal) que esclareça determinado aspecto de uma decisão, quando considera que há alguma obscuridade, omissão, contradição ou dúvida. Os embargos não foram acolhidos.

O réu e a assistência de acusação ingressaram, então, com recurso especial, dirigido ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O relator do processo entendeu que não estavam presentes os requisitos de admissibilidade (artigos 105, parágrafo III da Constituição Federal) e não recebeu os recursos.

Defesa e assistência de acusação ingressaram com “agravo” para que os recursos especiais subissem para o STJ.

5 de outubro de 2021

O STJ conheceu, em parte, do agravo da assistência de acusação e, nesta parte, manteve a decisão do Tribunal de Justiça, não conhecendo do agravo da defesa. Diante disso, a defesa do réu ingressou com Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial, visando que o STJ reexaminasse a sua decisão. Veja-se que, neste caso, como o recurso especial não havia sido conhecido, só seria possível postular o conhecimento do recurso.

08 fevereiro 2022

O STJ, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, mantendo a decisão anterior. Entretanto, a 5ª turma, por maioria, concedeu habeas corpus de ofício para reconhecer a nulidade de um laudo suplementar produzido após a conversão do processo em diligência pela Relatora junto ao TJDFT. A Corte Superior entendeu que a Relatora desrespeitou o sistema acusatório.

O resumo do processo foi elaborado a partir das informações disponíveis no site do Tribunal de Justiça, a partir do número do processo na segunda instância. As informações da primeira instância não foram ainda consultadas, uma vez que a numeração processual é alterada no segundo grau. A análise do caso Raul Aragão serve para mostrar os meandros de um processo de trânsito. Na ocorrência de morte no trânsito, familiares são  expostos a diversos procedimentos e infindáveis recursos,  previstos no sistema judiciário, que são desconhecidos do grande público. Além da dor da perda, têm que lidar com informações desencontradas e mergulhar no difícil universo jurídico. O OITB pretende ajudar as famílias a enfrentar este duro caminho.